Mineração
Coalizão Florestas & Finanças lança banco de dados de financiadores por trás de mineradoras
Bancos injetaram US$ 37,7 bilhões em mineradoras com alto risco de gerar desmatamento e violações de direitos humanos. Bancos dos Estados Unidos, Japão e Canadá estão entre os maiores financiadores de empresas de mineração nos trópicos
Desde 2016, os bancos investiram US$ 37,7 bilhões em crédito a 24 pequenas e grandes mineradoras em três regiões dos trópicos. Os cinco principais financiadores são Citigroup, BNP Paribas, SMBC Group, MUFG e Standard Chartered. Do total de crédito concedido nesse período, 43% foram para empresas do Sudeste Asiático (US$ 16,1 bilhões), enquanto a África Central e Ocidental e a América Latina receberam US$ 10,8 bilhões, de acordo com o novo conjunto de dados disponibilizados hoje pela coalizão internacional Florestas e Finanças, pelo Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e pela ONG indonésia Walhi.
Esse novo conjunto de dados vem na esteira da publicação do Relatório Cumplicidade na Destruição IV, [1] de autoria da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e da Amazon Watch, membro da Coalizão, que mostra como empresas de mineração e investidores internacionais têm fomentado as violações aos direitos indígenas e ameaçado o futuro da Amazônia.
Em janeiro de 2022, os investidores detinham US$ 61 bilhões em ações e títulos emitidos pelas 24 mineradoras. Mais da metade desse valor (55%) foi investido em operações na América Latina, 26% no Sudeste Asiático e 19% na África Central e Ocidental. Os cinco maiores investidores são Capital Group, BlackRock, Vanguard, Previ e Bradesco.
“Um compilado de dados desta magnitude só reforça o propósito da nossa luta, que é diária e nos territórios. É preciso que a sociedade saiba quem está por trás das investidas do capital mineral em nosso país e que, principalmente, tenha acesso aos dados de investimentos, que financeiriza esta atividade levando-a a um patamar incontrolável, gerando uma ‘minério-dependência’. É uma economia de enclave que deturpa os territórios, destrói as economias regionais e impõe, de maneira forçada, novas legislações ambientais, corrompendo o Parlamento Brasileiro e gerando uma crise climática e ambiental, afirma Charles Trocate, da Direção Nacional do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM). “É um vale-tudo, protagonizado pelo setor da mineração, a favor dos acionistas e contra a natureza”.
As atividades de mineração industrial causam impactos socioambientais profundos em todo o mundo. O setor é um grande impulsionador do desmatamento em regiões tropicais,[2] da contaminação de rios e conhecido por suas atividades deixarem um rastro de destruição e violações de direitos humanos. Exemplo disso são empresas como a Vale, uma das maiores mineradoras do mundo, conhecida por acumular conflitos com povos Indígenas e comunidades
tradicionais não apenas na Amazônia, como também fora do Brasil. A empresa já esteve implicada em dois dos maiores acidentes de mineração do país: o rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho, que deixou centenas de mortos, inundou uma vila e contaminou os rios Doce e Paraopeba.
“Deve haver uma compreensão geral de que as áreas de floresta tropical não devem estar disponíveis para a exploração mineral devido à sua importância no combate às mudanças climáticas e na garantia da vida no planeta. O mesmo é válido para terras Indígenas, territórios tradicionais e unidades de conservação. Essa compreensão deve partir do governo, mas também das empresas e das corporações financeiras que investem nessas instituições”, acrescenta Ana Paula Vargas, diretora do programa para o Brasil da Amazon Watch.
A Freeport McMoRan opera uma das maiores minas de ouro e cobre do mundo na província de Papua, na Indonésia, onde provocou a contaminação generalizada dos sistemas aquíferos naturais.[3] A empresa também foi criticada por incentivar conflitos armados na Regência de Mimika, causando degradação ambiental em larga escala e inúmeras violações aos direitos humanos.[4]
“A Freeport é uma imagem dolorosa para os papuas. As operações da Freeport em Papua não causaram apenas perdas econômicas, mas também destruíram fontes de vida e o meio ambiente, além de abalarem os valores da vida e da cultura, que eram profundamente respeitados tanto pelos papuas quanto pelos indonésios”, observa Hadi Jatmiko, chefe da divisão de campanha da Walhi.
Na República Democrática do Congo, a Glencore opera a maior mina produtora de cobalto do mundo. Relatórios recentes revelam más condições de trabalho na mina [5] e realçam um histórico de poluição do ar e do solo nos arredores. Os processos de devida diligência da empresa no respeito a direitos humanos e ao meio ambiente foram considerados incompletos.[6]
“Estamos publicando este conjunto de dados para aumentar a transparência sobre quais instituições financeiras apoiam mineradoras que podem causar impactos sociais e ambientais. É uma ferramenta para que a sociedade civil responsabilize financiadores e investidores pelos impactos que eles custeiam”, esclarece Merel van der Mark, coordenador da Forests & Finance Coalition.
O conjunto de dados, de código aberto e pesquisável, está disponível no site da Coalizão Florestas e Finanças,[7] que já contém informações abrangentes sobre fluxos financeiros de empresas de commodities agrícolas com risco florestal, com operações em regiões de florestas tropicais.
A Forests & Finance é uma iniciativa que surgiu a partir da coalizão de organizações de campanha e pesquisa, da qual participam a Rainforest Action Network, TuK Indonésia, Profundo, Amazon Watch, Repórter Brasil, BankTrack, Sahabat Alam Malaysia e Friends of the Earth EUA.
Leia mais sobre as principais conclusões da base de dados
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Notas:
[2] Grupo Banco Mundial. Forest-Smart Mining: Identifying Factors Associated with the Impacts of Large-Scale Mining on Forests [Mineração Florestal Inteligente: Identificando fatores associados aos impactos da mineração em grande escala em florestas]
[3] Mongabay. With its $3.85b mine takeover, Indonesia inherits a $13b pollution problem [Com a aquisição de uma mina de US$ 3,85 bi, a Indonésia herda um problema de poluição de US$ 13 bi]
[4] International Coalition for Papua (ICP) – PT Freeport Indonesia and its tail of violations in Papua: human, labour and environmental rights [Freeport Indonesia e seu rastro de violações em Papua: direitos humanos, trabalhistas e ambientais]
[5] RAID. Report “The Road to ruin?” – Electric vehicles and workers’ rights abuses at
DR Congo’s industrial cobalt mines [Relatório “Estrada para o desastre?” – Veículos elétricos e violações de direitos dos trabalhadores nas minas industriais de cobalto no Congo]
The Verge. The EV boom is being fueled by underpaid, underfed cobalt miners [O boom dos veículos elétricos está sendo estimulado por trabalhadores mal pagos e subnutridos nas minas de cobalto]
Business & Human Rights Resource Centre – DRC: Investigations reveal poor working conditions at the Kamoto Copper Company, with Glencore’s comments [Congo: Investigações revelam más condições de trabalho na Kamoto Copper Company, com comentários da empresa Glencore]
[6] Swiss Info. Glencore accused of environmental pollution in DRC [Glencore acusada de poluição ambiental no Congo]
[7] Forest and Finance Mining Data: https://forestsandfinance.org/mining-data/