Notícias

Como a Morgan Stanley está ligada ao desmatamento na Amazônia

Por André Campos e Piero Locatelli | 16/09/20

Investigação mostra novos casos de desmatamento ilegal entre fornecedores da Marfrig e da Minerva, empresas onde o banco tem participação acionária

Rebanho bovino pasta próximo às áreas de floresta em Novo Progresso, Pará (Foto: Vinícius Mendonça/Ibama)

O aumento do desmatamento na Amazônia em 2020 fez bancos e fundos prometerem mudanças em investimentos que afetam a região. A Nordea Asset Management, maior gestora de ativos dos países nórdicos, anunciou a retirada de todos os seus investimentos da JBS, a maior exportadora de carne do mundo, citando os casos de desmatamento que envolvem a cadeia produtiva da empresa. Um mês antes, outro grupo, composto por 29 instituições financeiras que controlam mais de US$ 3,7 trilhões, já havia relatado preocupação com o problema em carta direcionada ao governo brasileiro.

Porém, alguns investidores com influência destacada em empresas que atuam na Amazônia seguem indiferentes a esse movimento. É o caso da Morgan Stanley, acionista em dois dos três maiores fabricantes de carne bovina do país. A empresa é dona de 3,4% da Marfrig, o segundo maior frigorífico do país, e 4,94% da Minerva, o terceiro maior.

As manifestações públicas da Morgan Stanley, até agora, vão no sentido contrário daquelas feitas por outros fundos. Em um documento do banco sobre a sua busca por sustentabilidade, o diretor da equipe internacional de patrimônio da Morgan Stanley, William Lock, afirmou que seleciona empresas sem avaliar sua atuação ambiental ou social: “A gente inclui as empresas com base na habilidade delas em sustentar ou melhorar seus retornos, ao invés de se basear na avaliação das suas credenciais ambientais ou sociais”. “A gente não exclui empresas ou indústrias somente por somente por razões de governança social e ambiental”, disse.

As duas empresas brasileiras, que contam com a participação acionária da Morgan Stanley, tiveram envolvimento com casos de desmatamento por meio de seus fornecedores. Documentos obtidos pela Repórter Brasil mostram que a Marfrig comprou gado da família de um dos maiores desmatadores da Amazônia. Os dois frigoríficos também têm, entre seus fornecedores indiretos, fazendas que receberam multas por desmatamento ilegal.

Os casos foram levados à Morgan Stanley, mas a empresa não se pronunciou sobre nenhum deles, afirmando, sem dar detalhes, que  “essas ações não são mantidas como um investimento estratégico ou proprietário em nome do Morgan Stanley” (Leia a íntegra das respostas).

Marfrig tem ligação com família de um dos maiores desmatadores do Brasil

A Marfrig, frigorífico com participação da Morgan Stanley, comprou gado da família de um dos maiores desmatadores da Amazônia. Centenas de bois abatidos pela empresa tiveram origem em fazendas ligadas a José Carlos Ramos Rodrigues, que recebeu pelo menos 13 multas ambientais do Ibama entre 2007 e 2016, o que soma cerca de R$ 104 milhões em sanções.

Em uma reportagem do De Olho nos Ruralistas, publicada janeiro de 2020, Rodrigues foi listado como o 11º maior desmatador da Amazônia desde 1995. Cerca de 15 mil hectares de suas terras agrícolas em São José do Xingu, no Mato Grosso, foram embargadas pelo Ibama por desmatamento ilegal.

Além dos crimes ambientais, Rodrigues também foi responsabilizado pelo uso da força de trabalho em condições análogas à escravidão. A situação ocorreu nessas mesmas pastagens, onde auditores fiscais do trabalho resgataram 16 trabalhadores em 2007.

Sobrevoo aponta os limites entre a floresta e as pastagens em Novo Progresso, Pará (Foto: Vinícius Mendonça/Ibama)

A enorme área, onde aconteceram os casos de trabalho escravo e desmatamento, é dividida em quatro fazendas diferentes. Essas propriedades são registradas com o nome do pecuarista, de membros da sua família e de duas empresas pertencentes à ele – Agropecuária São José e Agropecuária Jatoba Empreendimentos e Participações. Cerca de mil animais criados em uma destas fazendas – a Fazenda Brasília – foram vendidos ao frigorífico da Marfrig em Nova Xavantina, Mato Grosso, entre julho de 2018 e novembro de 2019.

O pecuarista foi procurado pelo e-mail e telefone da sua empresa, mas não respondeu à reportagem. Já o frigorífico  afirmou que “a Fazenda Brasília não possui nenhum tipo de restrição socioambiental quanto aos critérios estabelecidos pela Marfrig”.

De fato, a Fazenda Brasília não possui nenhum registro de desmatamento recente. Mas, antes de vender gado para o abate, ela recebeu animais de outra propriedade vizinha pertencente à família – a Fazenda Moinho/Califórina – que possui centenas de hectares embargados por desmatamento ilegal.

Sobre isso, a Marfrig afirma que “com relação a triangulação de animais entre fazendas, hoje não existem ferramentas efetivas que permita o controle sistemático desse tipo acontecimento” (Leia a íntegra da resposta).

Desmatamento em fornecedores indiretos

A Minerva e a Marfrig também compraram gado de uma fazenda de Sidney Gasques Bordone, pecuarista que já foi multado duas vezes por desmatamento ilegal. Em 2005, ele foi autuado em R$ 1,6 milhão devido à derrubada de  floresta amazônica em Aripuanã, no Mato Grosso. Em 2013, foi novamente multado, desta vez em R$ 200 mil.

A Fazenda Amor do Aripuanã, onde fica a área desmatada, não vendeu diretamente aos frigoríficos, mas transferiu animais para outra propriedade sem pendências ambientais – que, por sua vez, vendeu gado às duas empresas. Esse tipo de estratégia — transferir animais de uma fazenda ficha suja para uma sem problemas ambientais – é comum no setor, já que os frigoríficos assinaram, em 2009, um pacto de não comprarem diretamente de fornecedores autuados por desmatamento ou trabalho escravo.

Prevfogo/Ibama combate incêndio florestal no Parque Indígena do Xingu, no Mato Grosso (Foto: Vinícius Mendonça/Ibama)

Em agosto de 2019, Sidney Gasques Bordone transferiu os animais da fazenda onde ocorreu o desmatamento para a Fazenda Rio Azul, em Vila Bela da Santíssima Trindade, Mato Grosso. Depois disso, a Fazenda Rio Azul vendeu centenas de cabeças de gado para a planta da Marfrig em Várzea Grande e para a planta da Minerva em Mirassol D’Oeste, ambas no mesmo estado.

Mais uma vez, a  Marfrig afirmou que o controle da chamada “triangulação de gado” entre as fazendas não é possível. “Hoje não existem ferramentas que permita o controle sistemático dessa situação, mas como citado anteriormente, participamos desde o início do desenvolvimento do novo protocolo de monitoramento de fornecedores de gado e entendemos a importância, transparência e evolução nos processos que o mesmo traz,” disse a empresa.

A Minerva afirmou que “os dados que legalmente estão disponíveis para uso oficial não permitem à Companhia encontrar irregularidades no processo de fornecimento do gado para a unidade de Mirassol D ́Oeste/MT.” A empresa disse que irá apurar “os fatos com o uso dos dados que legalmente estão disponíveis para essa análise” e tomará providências caso sejam encontradas irregularidades. Leia a íntegra da resposta.

A reportagem não conseguiu contato com o pecuarista Sidney Gasques Bordone e as fazendas citadas.

Morgan Stanley ignora o desmatamento em sua política de sustentabilidade

Os dois casos acima não são os primeiros a serem noticiados ligando fornecedores das empresas ao desmatamento ilegal, como já noticiou a Repórter Brasil em matéria anteriores sobre a Marfrig e a Minerva. Mesmo diante dos problemas recorrentes, a política do Morgan Santley para questões socioambientais não traz medidas específicas para a cadeia produtiva da pecuária, ou para o desmatamento de maneira geral.

“A empresa falha em sua política sobre o desmatamento e as commodities que o impulsionam,” diz uma nota da Rainforest Action Network, que avaliou as políticas de sustentabilidade da empresa divulgadas no ano passado. “O banco poderia ter seguido o exemplo de pares como o Crédit Agricole e a BNP Paribas, e anunciado medidas que começam a enfrentar a crise climática, como restrições ao financiamento para carvão, areias betuminosas, gás natural liquefeito e desmatamento. Mas, em vez disso, o Morgan Stanley optou por deixar a porta aberta para financiar as empresas mais intensivas em carbono do mundo.”

A diretora de finanças e clima da Amazon Watch, Moira Birss, diz que as políticas da Morgan Stanley não fornecem nenhuma indicação clara de que existe um processo definido para excluir o financiamento de certos projetos ou empresas. “Não há menção na política de monitoramento das cadeias produtivas secundárias e terciárias, que é crucial para o combate ao desmatamento associado à carne na Amazônia”, diz a diretora. “A política do Morgan Stanley permite especificamente a queima controlada como prática no agronegócio, o que é inaceitável, visto que a queima controlada é a principal causa dos incêndios na Amazônia.” Ela também diz que a Morgan Stanley deveria seguir o exemplo dos investidores europeus, que têm pressionado o governo brasileiro a tomar atitudes quanto a isso e até retirado os seus investimentos.

Questionada pela Repórter Brasil sobre os seus investimentos, a Morgan Stanley afirmou que “todas as ações mantidas pela Morgan Stanley [na Marfrig e na Minerva] se referem às atividades de negociação de nossos clientes”, em referência ao fato de que os investimentos seriam feitos por terceiros.

Porém, documentos publicados Morgan Stanley Administradora de Carteiras, a subsidiária brasileira com participação nos frigoríficos, afirmam que ela não faz a gestão de recursos de outros investidores. Em formulário entregue à Comissão de Valores Mobiliários em março deste ano, a Morgan Stanley Administradora de Carteiras afirma que “atualmente não exerce atividade de gestão de recursos de terceiros”.

Além disso, segundo a política da empresa divulgada em seu site brasileiro, “os fundos e carteiras geridos pela MSAC [subsidiária brasileira da empresa] são oriundos de recursos exclusivamente de propriedade de empresas do conglomerado Morgan Stanley (“Morgan Stanley”). Não são parte de seu escopo a gestão de recursos de terceiros, e tampouco a distribuição de valores mobiliários.”

Além de ser acionista das empresas, a Morgan Stanley também prestou serviços financeiros à Marfrig. Segundo levantamento da Global Witness publicado em 2019, a Morgan Stanley “subscreveu uma série de emissões de títulos no valor estimado de US$ 947 milhões para a Marfrig entre 2014 e 2017. Uma porta-voz admitiu que ele havia financiado o Marfrig, mas observou que o banco não o fez em 2018 ou 2019. Ela insistiu que os riscos de desmatamento são analisados cuidadosamente.”

A Morgan Stanley também teria a possibilidade de agir contra o desmatamento ao prestar os serviços financeiros, segundo Birss. “Nesse caso, eles têm a capacidade de comunicar direta e claramente às empresas que não concederá novas linhas de crédito, nem subscreverá linhas de crédito ou emissão de títulos, a menos que Marfrig e o Minerva deixem de exercer atividades que contribuam para o desmatamento”, diz Birss.