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Povo Parakanã cobra BNDES por reflorestamento de território devastado no Pará

Blog originalmente publicado pela Repórter Brasil

Cerca de 2.000 invasores foram retirados da Terra Indígena Apyterewa, no sul do Pará. Eles atuavam ilegalmente sobretudo com a pecuária. BNDES é cobrado por ser acionista da JBS, que recebeu animais criados ilegalmente na área.

Após a retirada de milhares de bois e invasores da Terra Indígena (TI) Apyterewa, no sul do Pará, lideranças do povo Parakanã vêm se mobilizando para que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) seja responsabilizado pelo desmatamento causado pela criação ilegal de gado dentro da área e arque com os custos da recuperação florestal.

O banco estatal é cobrado por ser o segundo maior acionista do frigorífico JBS, com 20,81% de participação. Controlada pela holding dos irmãos Joesley e Wesley Batista, a empresa recebeu animais de pastagens ilegais abertas na Apyterewa. 

Investigações da Repórter Brasil mostraram estratégias usadas por criadores de bois para driblar as políticas de frigoríficos que restringem a compra de animais oriundos de locais proibidos, como terras indígenas e reservas ambientais. 

A Apyterewa convivia com invasores mesmo antes de ser homologada, em 2007. Contudo, a invasão cresceu nos últimos anos. Com 773 mil hectares de área, o equivalente a cinco municípios de São Paulo, o território teve cerca de 100 mil hectares destruídos pelos invasores, ou 13% do total, segundo o Ministério Público Federal (MPF). 

A devastação só foi contida após o governo federal cumprir determinação do STF (Supremo Tribunal Federal) e realizar uma operação de desintrusão (retirada dos invasores), iniciada em outubro de 2023 e concluída em fevereiro deste ano.  

Um mapa produzido pela organização Florestas & Finanças, em parceria com a Associação Indígena Tato’a, mostra o tamanho do estrago causado pelos invasores – principalmente criadores de gado, mas também madeireiros e garimpeiros (veja abaixo).

Os limites da Apyterewa estão marcados em preto. Já a destruição (em amarelo e vermelho) concentra-se nas fronteiras sul e leste do território indígena. Em azul, o limite da terra indígena original reivindicada pelo povo Parakanã (Mapa: Florestas & Finanças e Associação Indígena Tato'a)
Os limites da Apyterewa estão marcados em preto. Já a destruição (em amarelo e vermelho) concentra-se nas fronteiras sul e leste do território indígena. Em azul, o limite da terra indígena original reivindicada pelo povo Parakanã (Mapa: Florestas & Finanças e Associação Indígena Tato’a)

O desafio agora é reflorestar a área perdida, explica Wenatoa Parakanã. Ela preside a Tato’a e se soma a uma comitiva com outros representantes do seu povo que viajará ao Rio de Janeiro para cobrar do BNDES recursos para recuperar a floresta.

“O BNDES deu dinheiro para os fazendeiros ficarem mais fortes e derrubarem a floresta”, afirma Wenatoa Parakanã. Com 32 anos, ela é a primeira mulher a liderar o povo Parakanã. “Estamos animados e queremos reocupar o território para que os fazendeiros não voltem mais. Precisamos fazer o reflorestamento e recuperar tudo que a gente perdeu”, detalha.

Em nota, o BNDES afirma que é acionista minoritário, por meio do BNDESPAR, e não pode fazer considerações sobre as operações das companhias de sua carteira. O banco disse, contudo, que reconhece a relevância do caso e vai informar seus representantes no conselho de administração da JBS para que eles possam induzir a empresa a “dedicar esforços na sustentabilidade e nas melhores práticas ambientais da sua cadeia de produção, inclusive em relação ao rastreamento do gado adquirido”. Leia a íntegra da nota.

Mais aldeias

O plano é ampliar o número de aldeias, passando das 22 atuais para 29, segundo Wenatoa. Os Parakanã também querem desenvolver um sistema de vigilância do território para impedir o retorno de invasores. “Não vamos deixar entrar nenhum gado mais”, afirma. 

Na próxima quinta-feira (18), os Parakanã terão uma reunião com a ouvidoria do banco público de desenvolvimento. Além dos indígenas, vão participar da reunião representantes do Ministério Público Federal e da coalizão internacional Florestas & Finanças, que analisa investimentos de instituições financeiras em commodities com risco de desmatamento. A Repórter Brasil é um dos membros da coalizão. 

Além de buscar recursos para o reflorestamento, o grupo quer alertar o BNDES para os riscos de investimentos na JBS, que estão sujeitos a causarem danos ambientais. “Queremos compromissos concretos”, afirma Tarcísio Feitosa, articulador do Brasil do Florestas & Finanças.

Em outubro do ano passado, quando teve início a operação de desintrusão, os representantes dos Parakanã protocolaram uma reclamação formal contra a JBS na Securities and Exchange Commission (SEC), a comissão de valores mobiliários dos Estados Unidos, órgão que disciplina o funcionamento do mercado de capitais no país e a atuação de seus protagonistas.


O documento assinado por indígenas acusa a JBS de apresentar informações enganosas no pedido em que tenta se credenciar para lançar ações na New York Stock Exchange (Nyse), a bolsa de valores de Nova York.

A JBS disse que as fazendas que estavam dentro da TI Apyterewa e que foram apontadas como fornecedoras da empresa foram bloqueadas em 2022. Segundo a empresa, a rastreabilidade dos bois é um desafio de todo o setor e a JBS está empenhada há 15 anos no tema, além de defender a implantação de um programa nacional para tratar da questão. 

A companhia citou também que participa de um projeto-piloto de rastreabilidade no Pará e que desenvolveu a plataforma pecuária transparente para monitorar seus fornecedores. Para a empresa, a listagem das ações nos EUA vai acelerar os esforços para aprimorar governança corporativa e transparência. Leia a íntegra da nota.

A TI Apyterewa tinha cerca de 2.000 invasores, concentrados principalmente na Vila Renascer; todas as casas, erguidas próximas a uma base da Funai, foram destruídas (Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil)
A TI Apyterewa tinha cerca de 2.000 invasores, concentrados principalmente na Vila Renascer; todas as casas, erguidas próximas a uma base da Funai, foram destruídas (Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil)

A invasão de bois

Investigações da Repórter Brasil revelaram que parte dos bois da reserva é comercializado para grandes frigoríficos usando uma triangulação conhecida como “lavagem de gado”, quando produtores encobrem a origem ilegal de seu rebanho, registrando a passagem dos animais por uma fazenda que não tem impedimentos socioambientais para vender ao frigorífico. Um levantamento do MapBiomas apontou que aproximadamente 98% da floresta destruída na TI Apyterewa deu lugar ao pasto para criação de bovinos.

Em outubro de 2023, a equipe da Repórter Brasil acompanhou o início da operação de desintrusão da terra indígena. Uma decisão do Supremo Tribunal Federal obrigou o governo federal a preparar uma operação de guerra para expulsar os invasores. A operação foi coordenada pela Secretaria Geral da Presidência e teve participação da Força Nacional, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, além de agentes da Abin, ANP, Ibama, Incra, Advocacia Geral da União, Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Censipam, Funai e os ministérios do Trabalho e Emprego, Casa Civil e Justiça.

Homologada em 2007, a Apyterewa foi a TI mais desmatada do Brasil durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), entre 2019 e 2022. Durante a operação de desintrusão, políticos bolsonaristas e também aliados do governador Helder Barbalho (MDB), apoiador do presidente Lula (PT), pressionaram para que a operação fosse abortada.

O momento mais tenso foi quando a Força Nacional matou um dos invasores com um tiro de fuzil. O episódio quase levou ao fim da operação, gerando uma disputa entre Flávio Dino, então ministro da Justiça, e a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, segundo reportagem da Sumaúma

A tensão, contudo, permaneceu. Áudios obtidos pela Repórter Brasil e atribuídos a um grupo de WhatsApp chamado “Máfia da Tora” revelam dois homens conversando sobre a compra de armas que seriam usadas contra agentes da Força Nacional e de outros órgãos envolvidos na desintrusão. “A vontade que dá é estar bem localizado com uma [arma] 357, entendeu, ‘catar’ um por um e dar na cabeça, um satanás desse aí”, afirmou um deles.

A operação seguiu com a saída de cerca de 60 mil cabeças de gado da terra indígena e dos invasores, que se concentravam, principalmente, na Vila Renascer. O local tinha cerca de 2.000 moradores, que construíram suas casas a partir de 2016, vizinha a uma base de operações da Funai. Todas as residências foram destruídas. 

Em março, uma comitiva do governo federal foi à Terra Indígena para uma cerimônia para celebrar o encerramento da operação de retirada dos invasores.  Na ocasião, a ministra Sônia Guajajara assinou uma carta de compromisso para a implantação de um Plano de Gestão Ambiental e Territorial (PGTA) que prevê recursos de R$1,5 milhão para as ações na TI.

Procurado para detalhar o plano e se há recursos previstos para a recuperação da área, o Ministério dos Povos Indígenas disse que participa do plano de recuperação promovido pela Associação Tato’a e que, para isso, R$ 1,5 milhão serão arrecadados em acordos de cooperação internacional.

Segundo a pasta, a Funai mantém bases de proteção no território “realizando abordagem e controle de invasores”. Enquanto a reocupação não é concluída, a Força Nacional segue dando suporte de proteção.