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Proposta da TNFD apoiada pela ONU arrisca abrir uma nova fronteira para as empresas fazerem “Greenwashing”
Hoje, 13 organizações da sociedade civil estão soando o alarme sobre a lavagem verde (greenwashing) de empresas que o trabalho da Força-Tarefa sobre Divulgações Financeiras Relacionadas à Natureza (TNFD, na sigla oficial em inglês) pode acabar facilitando. A TNFD é uma iniciativa voluntária liderada por empresas, mas apoiada por vários atores no cenário internacional. Assim como aconteceu com sua iniciativa irmã, a Força-Tarefa sobre Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima (TCFD, na sigla oficial em inglês), a TNFD provavelmente servirá como um modelo no qual os reguladores dos governos se basearão, já que a preocupação do público continua a aumentar em relação às crises da natureza e da biodiversidade e aos trilhões de dólares em financiamento que as impulsionam. Em maio de 2022, uma carta conjunta assinada por 28 ONGs e redes e enviada à TNFD delineou as principais preocupações com o primeiro texto da proposta.
“Sempre fomos céticos quanto à eficácia de um processo tão predominantemente controlado por empresas — mas, analisando o último texto, ficamos chocados com o quanto ele ainda é péssimo”, disse Shona Hawkes, conselheira da Rainforest Action Network.
Lançada em 2021, a Força-Tarefa sobre Divulgações Financeiras Relacionadas à Natureza é liderada por 34 funcionários seniores de empresas multinacionais com atuação global. A TNFD está desenvolvendo uma estrutura que descreve quais informações uma empresa ou instituição financeira deve relatar sobre o impacto – atual e futuro – de seus negócios na natureza. Isso pode incluir informações sobre como uma empresa está se preparando para mudanças em curto, médio ou longo prazo. A proposta surge em um momento em que a comunidade global está cada vez mais ciente dos trilhões de dólares que têm apoiado as empresas e projetos que continuam a impulsionar a crise da natureza. A TNFD lançou o primeiro texto dessa estrutura em março de 2022, o segundo em junho de 2022, o terceiro e o quarto estão previstos para novembro de 2022 e fevereiro de 2023, e a versão final está prevista para setembro de 2023.
As principais áreas de preocupação na atual estrutura da TNFD incluem:
- A TNFD não exige que as empresas ou instituições financeiras relatem seus danos e impactos adversos conhecidos na natureza ou nas pessoas. A TNFD exige apenas que uma empresa informe sobre riscos ou oportunidades financeiras significativos — neste caso, aqueles que podem surgir de sua relação com a natureza. Isso é muito subjetivo. Uma empresa ética pode ver todos os danos à natureza como ruins para os negócios. Já uma empresa que lucra com os abusos que comete contra o meio ambiente pode ter uma visão diferente. Se uma empresa está conscientemente ligada a abusos ambientais, mas não acha que isso é financeiramente prejudicial, ela não relatará esse tipo de atividade e seus impactos. Trata-se de um importante sinal de alerta para o greenwashing e não parece ser algo alinhado com a abordagem da Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados (ESMA) e nem da Global Reporting Initiative, que apoiam a “dupla materialidade” das informações relatadas. A TNFD reconhece que recebeu comentários sobre seu primeiro texto que recomendavam a inclusão dos relatos de impactos ambientais e em direitos humanos, mas optou por omiti-los.
- A TNFD ignora os direitos humanos, incluindo os direitos das mulheres, dos povos indígenas, das comunidades locais, dos camponeses e das pessoas que estão enfrentando empresas, muitas vezes encarando grandes riscos, para proteger a natureza. Apesar de a TNFD receber centenas de milhares de dólares em financiamento do Programa de Desenvolvimento da ONU, a força-tarefa tem normalizado a ideia de que podemos acabar com a crise da natureza mesmo se ignorarmos os abusos de direitos humanos que muitas vezes a acompanham.
- A TNFD não exige que uma empresa publique listas de queixas ou tome medidas semelhantes para divulgar onde comunidades, ONGs ou investigações da mídia fizeram alegações de conexão com danos contra a natureza e as pessoas. Reclamações e queixas são uma das ferramentas mais importantes para entender se as reivindicações de uma empresa correspondem à realidade.
- A TNFD planeja apressar a publicação de uma série de orientações. Essas orientações descreverão recomendações para setores, atores financeiros, diferentes domínios (oceano, água doce, terra e atmosfera) e, possivelmente, outras áreas. Em seu trabalho mais amplo, a TNFD costuma optar por abordagens que estabelecem um padrão muito baixo, em vez de refletir as expectativas definidas por meio de processos multiparticipados mais robustos. Orientações ruins são altamente propensas a estabelecer padrões que ficam muito abaixo dos padrões ambientais e de direitos humanos nacionais e internacionais em vigor. Com isso, a TNFD minará os progressos realizados e as lições aprendidas ao longo de muitos anos. O processo para elaborar esse tipo de proposta exige uma consulta mais ampla e uma avaliação mais rigorosa do que as feitas até agora.
“Quando olhamos para o que a TNFD está propondo, a primeira pergunta deve ser: Isso vai funcionar? Com base em nossos muitos anos de experiência em rastrear casos de danos causados por empresas e financiadores, a resposta é um retumbante “não”. Se a destruição ambiental não for relatada e os direitos da população local não forem respeitados, as empresas continuarão operando do mesmo jeito de sempre.” – Edisutrisno, Diretor Executivo da TuK Indonesia
“As multinacionais com operações globais estão escrevendo as regras da TNFD, e estão conscientes de que isso pode resultar em um modelo para regulamentações futuras. Afinal de contas, essas empresas e instituições financeiras obtém mais lucros quando a regulamentação é frouxa. O que vemos até agora com a TNFD é uma embaraçosa falta de ambição de mudar o sistema financeiro para que a natureza e as pessoas possam sobreviver e prosperar. Em vez disso, vemos um projeto para intensificar a crise da biodiversidade.” – Katharine Lu, Gerente Sênior de Programa, Friends of the Earth US
“A TNFD, na sua forma atual, oferece um enorme potencial para que empresas e instituições financeiras façam greenwashing, possivelmente atrasando ações significativas que são urgentemente necessárias para enfrentar as crises climática e de biodiversidade.” – Hannah Greep, Líder de Campanha de Bancos e Natureza, BankTrack
“A proposta da TNFD não é só lamentável. Ela acaba por sequestrar a conversa mais ampla sobre como desviar os trilhões de dólares em financiamento que têm impulsionado e gerado lucros com a destruição da natureza e as violações dos direitos humanos. Isso está a anos-luz das soluções que as vítimas dos abusos das empresas e dos danos à natureza têm pedido.” – Kwami Kpondzo, Coordenador de Indústrias Extrativas, Turismo e Infraestrutura, Global Forest Coalition
“O que se perde na discussão da TNFD é o quanto as lutas para salvar terras, florestas e águas são violentas, brutais, devastadoras e, muitas vezes, mortais. Em média, quatro pessoas são mortas todas as semanas para evitar que se manifestem sobre a necessidade de proteger a natureza e seus direitos. Muitos investidores e bancos têm sido alertados repetidamente sobre suas ligações a estes danos, e pouco têm feito — se é que têm feito algo — para impedi-los. Os danos passados, presentes e possíveis à natureza e aos direitos humanos devem ser incluídos na estrutura da TNFD de informações a serem relatadas para que esses abusos possam ser contidos.” – Melissa Blue Sky, Advogada Sênior, Centro de Direito Ambiental Internacional
“De acordo com a estrutura proposta pela TNFD, as empresas têm todo o direito de continuar a apoiar a destruição e degradação da natureza e dos direitos humanos — desde que isso não afete seus lucros. Todavia, ao não exigir que as empresas considerem os danos de longo e curto prazo para as comunidades e o meio ambiente em sua análise de risco, a TNFD está preparando o terreno para graves abusos ambientais e de direitos humanos e para o agravamento das crises climática e de biodiversidade.” – Moira Birss, Diretora de Clima e Finanças, Amazon Watch
“Preocupa-nos imensamente que as agências da ONU estejam apoiando e financiando a TNFD, que não é uma iniciativa multiparticipada — ela é escrita pelas empresas para que continuem agindo da mesma maneira de sempre. Não há menção aos direitos humanos ou aos povos indígenas, não há análise de gênero, não há lugar igualitário à mesa para aqueles que estão na linha de frente das crises climática e de biodiversidade. Não há discussão sobre responsabilidade ou mecanismos para lidar com queixas e danos às comunidades ou ecossistemas afetados. Precisamos urgentemente de soluções reais que sejam ousadas e transformadoras. Estamos em um momento catastrófico, e não podemos mais tomar iniciativas que possibilitem o lucro à custa de pessoas e da natureza.” — Osprey Orielle Lake, Diretora Executiva da Women’s Earth and Climate Action Network (WECAN)
Comunicado à imprensa assinado por:
Amazon Watch
BankTrack
Center for International Environmental Law
Forests & Finance Coalition
Friends of the Earth US
Global Forest Coalition
Global Witness
Jubilee Australia Research Centre
Profundo
Rainforest Action Network
TuK Indonesia
Women’s Earth and Climate Action Network (WECAN)