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JBS tenta ‘limpar’ histórico de violações ambientais para entrar na bolsa de Nova York

Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil

Artigo originalmente publicado pela Repórter Brasil

Maior produtora mundial de proteína tenta há anos abrir seu capital nos Estados Unidos, mas escândalos de corrupção adiaram os planos. Agora, empresa aposta em reformulação de imagem para ter sinal verde dos americanos, apesar de críticas de ambientalistas

Em comemoração aos seus 70 anos, a JBS anunciou em outubro uma nova identidade visual. A troca do tradicional vermelho do logo por tons de azul e verde tem por objetivo refletir a “jornada de crescimento e evolução” da marca, segundo a própria companhia. O anúncio veio em um momento estratégico: ao mesmo tempo em que está em negociação para abrir seu capital na bolsa de valores de Nova York, a companhia sofre pressão para mudar suas práticas socioambientais.

Apesar do esforço para repaginar sua imagem, a JBS é associada a práticas socioambientais questionáveis por organizações ambientalistas (Foto: Fernando Martinho/Repórter Brasil)

Há anos, a maior produtora de proteínas do mundo tenta ver suas ações listadas na bolsa norte-americana. Contudo, escândalos de corrupção envolvendo os irmãos Wesley e Joesley Batista — acionistas da J&F Investimentos, controladora da companhia — adiaram os planos da empresa.

Em julho, durante um evento que contou com a presença do vice-presidente e ministro do Desenvolvimento e Indústria, Geraldo Alckmin, do CEO global da JBS, Gilberto Tomazoni, e dos irmãos Batista, a empresa anunciou uma nova tentativa de abrir seu capital no mercado dos EUA. A expectativa era de que as ações começassem a ser vendidas ainda em 2023. Porém, até o fim de novembro, a empresa não tinha recebido a autorização da Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos (SEC, na sigla em inglês).

Em setembro, 16 organizações ambientalistas de bem estar animal e de defesa dos direitos dos povos indígenas enviaram uma carta aberta à SEC e a mais de 200 investidores alertando sobre os riscos climáticos e sociais ligados às práticas da JBS.

“Acreditamos que os investidores têm a responsabilidade de credor de considerar os potenciais riscos regulamentares, de litígio, de reputação, éticos e de mercado de investir numa empresa significativamente implicada e exposta às alterações climáticas, ao desmatamento, à perda de biodiversidade, aos escândalos de corrupção e às violações dos direitos humanos, seja como holding ou através de sua rede de filiais”, afirmam as organizações na carta.

Na própria “declaração de inscrição” enviada à SEC americana, a JBS reconhece uma série de riscos socioambientais em seu modelo de negócio. “A criação de gado e outros animais está por vezes associada ao desmatamento, invasão em terras indígenas e em áreas de proteção e outras irregularidades ambientais e de direitos humanos”, é possível ler na página 43 do documento, numa tradução livre.

Ainda discorrendo sobre os riscos relacionados ao negócio, a companhia acrescenta que se for “incapaz de garantir” que seus fornecedores estejam em conformidade com todas as leis e regulamentos ambientais e de direitos humanos, a JBS está sujeita “a multas e penalidades”, o que pode “afetar sua imagem e resultados operacionais”.

“São anos de denúncias de invasões a terras indígenas, desmatamento, trabalho escravo, e tudo isso tem que ser avaliado pelo órgão americano antes da entrada da empresa [na bolsa de valores de Nova York]”, afirma Merel van der Mark, coordenadora da Forest and Finance. A organização avalia os financiamentos recebidos por mais de 300 empresas diretamente envolvidas nas cadeias de fornecedores de carne bovina, soja, óleo de palma, celulose e papel, borracha e madeira.

Outro contratempo enfrentado pela JBS tem sido o modelo de governança corporativa apresentado pela empresa. De acordo com os termos atuais do acordo, a família Batista teria 85% dos direitos de voto, aumentando em quase 36% sua participação na multinacional. Especialistas ouvidos pela reportagem afirmam que isso impediria que acionistas minoritários pudessem orientar a empresa em questões como proteção aos direitos humanos e ao meio ambiente.

“O mundo simplesmente não pode arcar com o aumento do acesso da JBS ao financiamento [via mercado de capitais] até que eles demonstrem um compromisso sério em reduzir suas emissões e melhorar suas operações”, analisa Alexandria Reid, assessora sênior de políticas globais da ONG Global Witness.

Reformulação da imagem sem olhar para os problemas

JBS gastou cerca de R$ 1 milhão com anúncio na Folha sobre nova logomarca com pegada verde

Enquanto não recebe o sinal verde dos americanos, a JBS tem se empenhado em reformular sua imagem. A nova logomarca tem parênteses verdes que representam “o compromisso da Companhia com a sustentabilidade ambiental, social, operacional e econômica”, segundo a nota divulgada pela própria empresa.

As chamadas para a área de sustentabilidade e práticas sociais também estão em destaque em seu site e a JBS tem patrocinado conteúdos focados em sustentabilidade em veículos jornalísticos como Valor Econômico, Exame e Poder360. Apenas a publicidade de sua nova logomarca estampada em duas páginas da edição de 17 de outubro do jornal impresso Folha de S. Paulo custou cerca de R$ 1 milhão.

Entre setembro e outubro, a JBS patrocinou o curso “Sustentabilidade e Sistemas Agroalimentares”, promovido pelo Insper e pelo Instituto Veja e destinado a jornalistas. A Repórter Brasil também participou e teve a oportunidade de visitar as instalações da empresa em Lins, no interior de São Paulo.

Apesar do esforço para repaginar sua imagem, a JBS segue publicamente associada a práticas socioambientais questionadas por organizações ambientalistas. De acordo com um levantamento do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) divulgado nesta quarta (22) , a JBS é a empresa mais exposta aos riscos de devastação na Amazônia Legal. As zonas de compras dos seus 24 frigoríficos na região contêm quase 10 milhões de hectares desmatados, embargados (proibidos para exploração pelas autoridades) ou sob risco de derrubada.

Dados do Ministério Público Federal (MPF) divulgados neste ano mostram que a companhia teve 6,1% de inconformidade em suas compras. Ela foi classificada como um dos piores frigoríficos do Pará com relação à procedência dos animais adquiridos pelo 3º ano consecutivo.

“Considerando o tamanho da JBS e o raio de atuação deles aqui na Amazônia, esses 6% são um número preocupante”, afirma Ritaumaria Pereira, diretora-executiva do Imazon. “A gente não está falando de uma cabeça de boi, está falando dos fornecedores diretos. Agora, por que isso passa pela auditoria deles? Não consigo te responder, porque se é um sistema tão robusto assim, de que eles se orgulham tanto, deveriam já barrar desde a compra”, complementa.

Ritaumaria Pereira se refere ao sistema geoespacial que a empresa passou a utilizar depois de assinar o Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) da Carne com o Ministério Público Federal em 2009, comprometendo-se a não mais comprar gado proveniente de territórios indígenas invadidos ou de áreas desmatadas ilegalmente.

Em um evento do jornal americano New York Times, o CEO Global da companhia, Gilberto Tomazoni, afirmou que a JBS tem “tolerância zero” para desmatamento e que parou de comprar de mais 16 mil fazendeiros que não estão em conformidade com seu código.

Questionada sobre o assunto e sobre as dificuldades que tem enfrentado para entrar na bolsa americana, entre outras questões, a empresa respondeu que há 15 anos “monitora diariamente 78 mil potenciais fornecedores diretos de gado para garantir que respeitem os critérios socioambientais da Companhia, sendo que 12 mil fazendas estão bloqueadas”.

Cadeia produtiva para além dos fornecedores diretos

Gado sendo retirado da Terra Indígena Apyterewa, a mais desmatada na Amazônia nos últimos quatro anos (Foto: Fernando Martinho/ Repórter Brasil)

O problema da cadeia de carne brasileira não fica restrita aos fornecedores diretos. Em 2022, uma investigação da Repórter Brasil revelou que pecuaristas ilegalmente instalados na Terra Indígena Apyterewa, a mais desmatada na Amazônia nos últimos quatro anos, forneciam gado indiretamente para a JBS.

“A empresa tenta se distanciar da sua responsabilidade, insinuando que a invasão de terras indígenas é um fenômeno quase natural e consequente da criação de gado, minimizando assim a gravidade do ato e a sua culpabilidade. Mas é totalmente o contrário. A invasão de terras indígenas é facilitada e financiada por frigoríficos, que em desrespeito à lei, compram gado proveniente dos territórios indígenas”, afirma o documento enviado à SEC por representantes da terra indígena.

O monitoramento dos produtores indiretos é uma cobrança antiga de investidores, consumidores e autoridades. Tentando resolver esse problema, fornecedores de gado da JBS podem se inscrever de forma voluntária na plataforma Pecuária Transparente e analisar os riscos ambientais e sociais dos seus próprios fornecedores desde 2020. A empresa afirma que “a partir de 1º de janeiro de 2026, só poderão seguir fazendo negócios com a companhia os produtores cadastrados nela”.

Para Daniela Montalto, da Campanha Florestas e Alimentação do Greenpeace UK, as ações da JBS ainda são pouco efetivas. “Dada a urgência da emergência climática e ambiental global, iniciativas como o novo compromisso da cadeia produtiva da JBS na Amazônia, baseadas na autorregulação de compromissos voluntários, estão uma década atrasadas em termos de execução e abrangência. Elas não representam uma contribuição decisiva para a transformação fundamental do sistema alimentar global exigida pela ciência e que empresas, instituições financeiras e governos precisam implementar”, finaliza Daniela.